Desde o anúncio do primeiro mapeamento do genoma humano, em 2000, a promessa de revolução da medicina é um céu de esperanças. Mas agora, graças a novas tecnologias de sequenciamento do DNA, já podemos visualizar as nuvens.

Na época, o discurso do então presidente Bill Clinton, anunciando o primeiro mapa genético, era laudatório e farto de esperanças: ‘em futuro muito próximo, vamos descobrir os segredos de doenças como Alzheimer, câncer, diabetes e outros flagelos da saúde humana’. esquerdo_02
Assim como outras previsões presidenciais, esta não se cumpriu tão rapidamente e nem tão efetivamente. Passaram-se 13 anos e verificamos que aquele mapa de 3 bilhões de pares de bases de DNA teve pouco impacto sobre a clínica médica do dia a dia. Pelo menos não teve o impacto imaginado e prometido: de todo o genoma humano, sabemos que 3% do nosso DNA é a fração responsável por nos dar respostas sobre doenças. Os restantes 97% da molécula da vida ainda permanecem em segredo – um monte de areia indecifrável.
Mas as coisas da genética estão mudando – e rapidamente. Uma recente tecnologia de sequenciamento do DNA que combina baixo custo e amplo alcance de leitura dos genes está nos levando ao caminho da realização de uma boa parte das promessas genômicas.  E mais: a custos muitíssimo menores.
Fruto da corrida mundial pelo ‘sequenciamento do genoma humano por 1 mil dólares’, o NGS (sigla de NGS – Next Generation Sequencing) é capaz de ler centenas de genes e identificar centenas de doenças, ou modificações genéticas, em apenas 27 horas. Para se ter uma ideia da diferença, os primeiros sequenciadores de DNA liam UM gene em 45 dias.
O NGS é uma tecnologia que estuda o genoma em larga escala: lê grandes fragmentos de DNA, selecionados para conformar painéis genéticos que darão respostas sobre grupos de doenças ou condições genéticas em sistemas orgânicos. Painel de câncer, ou painel endocrinológico, por exemplo.
A grande diferença do NGS para os métodos usuais de sequenciamento de DNA, como o Microarray, está na ‘montagem’ do próprio chip de análise. O microarray é uma matriz (chip) genética, um gabarito de comparação que se compra pronto. Já com o NGS, é possível montar o próprio chip, selecionando os fragmentos de DNA desejados, e então fazer o sequenciamento. Ilustrando: a nova tecnologia nos permite hoje montar um CD com nossas músicas preferidas. Há alguns anos, tínhamos que comprar o CD pronto.
Escolhendo os genes a serem analisados, é possível sequenciar um embrião ou o DNA de qualquer pessoa para doenças distintas, utilizando o mesmo chip. A economia de tempo e versatilidade de uso desta tecnologia reverte-se em custos expressivamente menores. Posso montar um painel genético no meu chip para verificar todas as alterações genéticas responsáveis por doenças do sistema endocrinológico, por exemplo. Ou montar um painel só com os genes já sabidamente responsáveis pelo desenvolvimento de câncer.
Há um ano, oferecia-se o sequenciamento de UM gene por 4.500 reais. Com o NGS é possível sequenciar 328 genes por 4.500 reais. O resultado há um ano, para sequenciar um gene, era dado em cerca de 6 meses. O resultado agora, para sequenciar 328 genes, é dado em 27 horas.
Ou seja, Angelina Jolie, um ano atrás, poderia ter tido seus genes sequenciados para saber sobre quaisquer possibilidades de desenvolver câncer (painel genético de câncer por NGS) – ao invés de ter tido apenas os genes BRAC1 e BRAC2 (responsáveis pelo câncer de mama e ovário) analisados. E o custo teria sido o mesmo, ou menos.
Mesmo para os profissionais de genética as novidades revolucionárias que esta nova tecnologia genética nos traz é estonteante. “Uma inesperada mudança radical da noite para o dia”, disse Francis Collins, que era diretor do Projeto Genoma Humano em 2000.
Ainda há muito para compreender sobre o genoma humano e como aplicar suas possibilidades e potencial à prática clínica. No entanto, graças a tecnologias como o NGS, podemos falar – e agora positivamente – sobre tratamentos personalizados para doenças como o câncer, fazer melhores e mais precisos diagnósticos de doenças em adultos e embriões, e ainda viabilizar mais rapidamente os objetivos da farmacogenética.
Sem dúvida, esta é uma tecnologia que muda radicalmente a história do sequenciamento do genoma humano e garante que possamos aplicar as formidáveis promessas da medicina genômica.
Prof. Dr. Ciro Martinhago