Veículo: Jornal Cruzeiro do Sul
Data: 6 de agosto de 2014 Estado: SP
Assunto: Artigo de genética
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Dr. Ciro Martinhago
A revolução genômica está batendo à porta, mas existem vários “aindas” para o seu estabelecimento: ajustes que precisam ser avaliados, repensados e debatidos socialmente. Natural, em se tratando de um novo mundo para a saúde humana cujas promessas de medicina preventiva e personalizada soavam românticas menos de duas décadas atrás.
Muito bem, o que era ficção está vindo à realidade. Já somos capazes de diagnosticar com precisão próxima do absoluto e muito precocemente a tendência de desenvolvermos doenças. Sabedores do perigo iminente, providências podem ser tomadas, desde a adoção de hábitos de vida mais saudáveis (não fumar por exemplo), se está escrito nas estrelas do meu DNA que posso desenvolver câncer de pulmão. E até decidirmos por terapias radicais, como a celebridade que amputou as mamas com chances de desenvolver câncer.
No entanto, é preciso ainda cautela para não cairmos na “farra genômica” onde tudo se resolve com testes genéticos. A indicação de um teste genético depende de fatores que precisam ser analisados pelo médico geneticista, correlacionados com uma anamnese clínica e mesmo cotejados com outros exames complementares. E ainda temos dificuldades para lidar com os resultados. A tecnologia move-se muito mais rápido que a nossa capacidade de interpretação, mas todos os dias novos genes e mutações são descobertos. É uma questão de tempo, e tempo curto, para que possamos compreender toda a complexidade e utilidade do sequenciamento total do genoma humano. Por enquanto, a indicação sem critérios onera o sistema de saúde e confunde pacientes e médicos assistentes.
Estamos capacitados para antever problemas genéticos em fetos de apenas 9 semanas. E também é possível, com recursos genômicos, selecionar o embrião geneticamente compatível que poderá salvar a vida do irmãozinho portador de uma doença genética. No entanto, ainda precisamos lidar com os debates éticos e bioéticos que circundam os testes pré-natais não invasivos e as questões morais que envolvem o nascimento utilitário de uma criança.
Ainda nos debatemos com os custos genômicos, mas os preços estão baixando aceleradamente. Há 13 anos, o mapeamento genético assustava até os muito ricos: 350 mil dólares. Hoje, graças à tecnologia NGS (NGS – Next Generation Sequencing), podemos formatar painéis e mapear cerca de 800 genes ao custo próximo de mil dólares. No Brasil, com as normas publicadas pela Agência Nacional de Saúde (ANS) em dezembro/2013, os convênios agora cobrem 29 testes genéticos, que podem desdobrar para 74, se o médico geneticista julgar necessário aprofundar a investigação. É pouco, sem dúvida, mas é o começo de democratização genética, uma simples questão de tempo e ajustes na aplicação dos testes, que considero devem ser solicitados por médico geneticista. No fim das contas, testes genéticos são, e serão mais ainda, ferramentas poderosas para a prática da medicina preventiva, o que interessa a qualquer sistema de saúde privado ou público.
O caráter hereditário de uma doença genética influencia as decisões e os projetos de vida, além dos relacionamentos, crenças, a identidade pessoal e mesmo a estrutura familiar. Mais do que prestar informações técnicas, avaliar clinicamente o paciente/casal, analisar resultados e pedir exames complementares, é preciso considerar os aspectos emocionais, psicológicos, sociais e legais que envolvem um diagnóstico genético. Tudo isso faz do Aconselhamento Genético um processo complexo que deverá exigir uma equipe multidisciplinar para que seja realizado com respeito e eficiência. O mercado profissional da genética ainda é pequeno para o porte da demanda, mas cresce o interesse por cursos de especialização em genética para outras profissões, como enfermagem e psicologia, o que é uma boa notícia principalmente para o Aconselhamento Genético.
Os desafios genômicos são tão grandes quanto as possibilidades desta nova forma de fazer e entender a medicina. Grandes também são as responsabilidades éticas, que cabem aos profissionais envolvidos na prática clínica, laboratorial e na pesquisa. Ainda vivemos uma fase de encantamento entusiástico, tanto para projetar soluções genéticas quanto para antecipar problemas que podem envolver a medicina genômica. O que importa realmente é que estamos construindo um mundo novo que pode se tornar maravilhoso, onde poderemos praticar a medicina da saúde, e isso é bom para toda a sociedade. Mais do que nunca as mentes de todos os que fazem parte deste mundo novo precisam estar abertas e maleáveis para o diálogo. E com muita, muita vontade de aprender.
Dr. Ciro Martinhago é médico geneticista e membro do departamento de genética do Hospital Albert Einstein, em São Paulo