Veículo: Jornal O Tempo | |
Data: 31 de agosto de 2014 | Estado: SP |
Assunto: Técnica de escolhas do embrião para prevenir doenças | |
Link: Clique Aqui |

PUBLICADO EM 31/08/14 – 03h00
Litza Mattos
Para a biomédica Jênyce Carla Reginato, 37, o marido advogado Eduardo Matias, 38, e a filha Maria Vitória, 7 anos, a esperança tem um nome: Maria Clara. A segunda filha do casal, de 2 anos, foi gerada usando as mais modernas técnicas de seleção de embriões compatíveis para um transplante de medula óssea para curar a irmã mais velha, Maria Vitória, portadora de talassemia major – doença hereditária do sangue que afeta a capacidade de produção de hemoglobina.
A comemoração da cura da filha mais velha, celebrada pela família em março deste ano, quando o transplante completou um ano, só foi possível com o auxílio do médico geneticista Ciro Martinhago, de São Paulo. Ele é um dos responsáveis pelo desenvolvimento e aprimoramento da técnica no Brasil. “Quando conversava com os casais e via a recorrência de alguma doença, eu só passava a eles o risco de a criança também ter o problema. Meu sonho era desenvolver algo para prevenir que a doença aconteça de novo na família e que o filho a tenha, e isso resultou na técnica que hoje chamo de genética preventiva”, explica Martinhago.
No caso de Jênyce, portadora do gene da talassemia, e do marido, que também tinha os traços da doença em seu DNA, uma gravidez pelo método natural resultaria em uma chance de 25% de Maria Vitória nascer com a forma grave da doença. “A gravidez foi normal, mas, com cinco meses de vida, ela fez a primeira transfusão de sangue por causa do problema”, lembra a mãe. Na busca de uma solução, Jênyce conta que a maioria dos médicos que procurou desconhecia a novidade e dizia que a única chance de cura era por meio do transplante de medula, mas que os riscos não compensariam.
Sem desistir, o casal foi o primeiro a aceitar gerar um bebê pela técnica criada por Martinhago em 2009, que utiliza o método compatível com irmãos já nascidos e afetados por doença genética, conhecido como Sistema Antígeno Leucocitário Humano (Human Leucocyte Antigens – HLA). “Todos temos dois códigos de barras. Quando precisamos de um transplante, a primeira coisa que se verifica na população mundial é se tem mais alguém que tenha os códigos iguais. A probabilidade de HLA parecido é de um em 150 mil pessoas (0,0006%), mas, em irmãos, essa chance aumenta para 25%. Além disso, as chances de rejeição entre irmãos são quase nulas”, diz.
Segundo o geneticista, apesar da pouca procura inicial, ele já trabalhou em 45 casos no Brasil. Martinhago explica que a seleção de embriões para a gestação de um bebê saudável
é indicada para diferentes doenças genéticas, que afetam um fragmento de um gene (talassemia e anemia falciforme), um cromossomo completo (síndrome de Down) e doenças ligadas ao sexo (X-frágil que atinge um em cada 1.200 meninos), entre outras.
Procedimento. O geneticista explica que o aconselhamento genético é o primeiro passo para os casais que não desejam transmitir os genes “doentes” para os filhos. Em seguida, com a coleta da saliva do casal é feito um teste para identificar o DNA dos pais. “A probabilidade de assertiva em casos como esse é acima de 97%”, diz.
Após a coleta do óvulo da mãe e do espermatozoide do pai, no terceiro dia do embrião concebido artificialmente pela fertilização in vitro é retirada uma das cerca de oito células dele. “Até o 5°dia eu passo o resultado dos embriões normais e compatíveis, e somente esses são transferidos para o útero da mãe”, explica.
No caso de Jênyce, assim que Maria Clara nasceu, as células-tronco de seu cordão umbilical foram colhidas e congeladas. Após um ano, foram implantadas na irmã.
“Antes de receber o transplante, Maria Vitória foi submetida a uma forte quimioterapia por sete dias. Em seguida foi feita a transferência das células saudáveis da irmã e a ‘pega’ da medula se deu no 19° dia após o transplante. Hoje vejo a quantidade de pessoas que se beneficiaram, estão se beneficiando e vão se beneficiar”, comemora a mãe.


PUBLICADO EM 31/08/14 – 03h00
Litza Mattos
Casais que já sabem que carregam algum gene com determinada doença, como daltonismo, síndrome de Down, fibrose cística e hemofilia já podem usar a técnica de seleção de embriões antes mesmo de ter o primeiro filho.
VEJA TAMBÉM
“Selecionar características físicas é utopia”
Seleção de embrião saudável e compatível
Criança gerada por seleção genética salva vida da irmã Mais
“Se você já sabe qual doença tem, não é preciso ter um filho para fazer isso, mas a indicação é só para quem tem alguma doença grave, pois é preciso saber o que procurar no DNA. Existem mais de 15 mil doenças, e não existe um filho sem nenhuma doença”, afirma o especialista em reprodução assistida Selmo Geber.
Moradora de João Monlevade, na região Central do Estado, a dona de casa Eliana Braga da Silva, 37, tem anemia falciforme e sofre todas as vezes em que a filha Clarisse, 3, tem que ser internada por causa das complicações provocadas pela beta-talassemia. “Ela já teve que ser internada por sete vezes, e o nosso objetivo é ter outro filho compatível com ela para podermos fazer o transplante de medula óssea”, conta.
Ela e o marido, o comerciante Tarcísio Martins Acipreste, 52, contam que o desejo do casal sempre foi ter um terceiro filho, mas como a primeira filha, Ana Beatriz Braga, 12, também tem o traço da doença, e Clarisse também desenvolveu o problema, eles ficaram receosos de levar o sonho adiante. “Quando resolvi ter a Clarisse, eu fiz um exame que avaliava essa possibilidade do traço da doença, mas o médico que avaliou o exame não soube constatar o risco. A anemia dela não é muito agressiva, mas pode se tornar com o passar dos anos. Em uma das internações, ela quase precisou fazer transfusão. Esse é o nosso maior medo”, diz Eliana.
Segundo a dona de casa, o casal procurou o geneticista Ciro Martinhago no início do ano e já realizou os primeiros exames. “O casal está apto a iniciar o tratamento de fertilização in vitro com o intuito de selecionar os embriões saudáveis. O índice de acerto é de 97%”, relata Eliana, satisfeita com o resultado dos exames.
Ela diz que espera conseguir gerar o próximo filho o mais rápido possível. “Agora temos que ir para a segunda etapa, que é fazer os exames para a fertilização. O momento agora é de ansiedade para decidir a ocasião mais adequada para fazer isso tudo. Infelizmente, o custo ainda é muito alto, mas se precisar vender o carro, eu vendo para conseguir a cura da Clarisse. É muito triste ver um filho sofrer sentindo dores. A genética abriu possibilidades enormes de podermos salvar uma pessoa de uma doença que até então não tinha cura”, afirma Eliana.
Início. Geber conta que participou do desenvolvimento das primeiras técnicas de seleção de embriões na Inglaterra. “Em 1990, com um embrião na mão e antes de implantar no útero de uma paciente, o britânico Robert Winston e seu assistente Alan Handyside pensaram nessa técnica. Eu trabalhei com eles em 1991 e 1992 e participei do grupo que criou a técnica no mundo, mas, quando cheguei lá, já tinha acontecido a primeira gravidez”, lembra.
O médico explica que o primeiro teste no embrião foi feito para saber se a retirada de uma célula iria gerar algum prejuízo. Depois, seriam feitos estudos genéticos nessa célula para descobrir se teria a doença.
“No primeiro teste descobriu-se que o próprio embrião se recompõe e que ele tem a capacidade de formar novas células antes formar um bracinho ou uma perninha no futuro, pois nesse caso ainda não é um bebê”, explica.
De acordo com Geber, em seguida foram surgindo novas técnicas com a mesma proposta. “A primeira vez em que ela foi realizada no Brasil foi em Belo Horizonte, há dez anos. O que na verdade importa para nós é o que essas várias técnicas oferecem para o paciente”, afirma Geber.
Segundo o médico e parceiro do geneticista Ciro Martinhago, a união entre os dois já dura cinco anos. “Ele é o cara em cujas mãos eu coloco a célula que tiro do embrião. Ele me liga e fala quais embriões estão doentes e quais são os saudáveis e, em seguida, discutimos junto com o paciente”, afirma Geber.