Cientistas começaram os estudos clínicos para o tratamento que pode superar a doença hereditária que afeta 300 mil bebês por ano

 Sickle cell disease is a recessive genetic blood disorder characterised by red blood cells that assume an abnormal, rigid, sickle shape. Photograph: Getty Images

Anemia falciforme é uma desordem genética recessiva do sangue, caracterizada pelo formato anormal das células vermelhas do sangue, que se tornam rígidas, em formato de foice. Photograph: Getty Images

Cientistas estão finalizando os planos para usar uma terapia genética para tratar uma das mais frequentes doenças hereditárias do mundo – a anemia falciforme. A técnica pode começar a ser testada clinicamente no próximo ano, dizem os pesquisadores.
Cerca de 300 mil bebês nascem anualmente com anemia falciforme. A doença causa a deformação das células vermelhas do sangue, o que produz anemia, dor, falência de órgãos, destruição de tecidos, enfartes e ataques cardíacos. No ocidente, pacientes hoje em dia vivem até os 40 anos, graças a tratamentos de transfusão de sangue e outros. Mas na África a maioria morre na infância.
“Nós sabemos exatamente o que causa a anemia falciforme há 60 anos, mas tem sido enormemente difícil converter essa informação em tratamento”, disse o Prof. Stuart Orkin, da Harvard Medical School. “Existem um milhão de passos entre as bancadas do laboratório e a clínica médica, ao que parece. No entanto, eu acho que estamos chegando mais perto”.
A anemia falciforme começa com um defeito genético que altera um das dezenas de aminoácidos que formam a hemoglobina, o mais importante componente das células vermelhas do sangue, que carrega o oxigênio para todo o corpo. A hemoglobina mutante sofre uma mudança no seu formato e bloqueia as veias.
A doença é transmitida pelos pais assintomáticos e é sabido que começou na África, no Caribe e em outras áreas como uma proteção natural contra a malária. No entanto, quando dois portadores da doença tem um filho, existe uma probabilidade de 25% que a criança herde os dois genes da anemia falciforme, um de cada genitor, e passe a desenvolver a doença. No Reino Unido, um serviço de rastreamento dos genes é oferecido aos pais. No entanto, mais de 300 crianças afetadas pela doença nascem a cada ano.
Cientistas descobriram que fundamentalmente não são todas as pessoas com anemia falciforme que sucumbem à doença. Algumas pessoas parecem estar protegidas contra os seus danos. “Nós temos dois tipos de hemoglobina”, explicou o Prof. Orkin. “Existe a hemoglobina fetal, cuja produção é desligada quando nascemos. Aí assume a hemoglobina padrão, a versão adulta”.
Mas em alguns indivíduos a produção de hemoglobina fetal não é desligada no nascimento. “Esses indivíduos são supridos com hemoglobina fetal durante suas vidas e para aqueles que também herdam a anemia falciforme essa característica os protege contra a doença, produzindo uma substância que carrega o oxigênio para os seus corpos”, disse Orkin. “Nós calculamos que você precisa de apenas uma pequena quantidade de hemoglobina fetal para travar os sintomas da anemia falciforme”.
A perspectiva de impulsionar os níveis de hemoglobina fetal em pacientes aumentou quando se verificou que um gene chamado BCL11A atua como um supressor da produção de hemoglobina fetal. “Essencialmente, esse gene desliga a fabricação de hemoglobina fetal após o nascimento”, disse Orkin. “O que pretendemos fazer é impedi-lo de fazer isso. Nós queremos suprimir o supressor e permitir que a hemoglobina fetal continue a ser produzida no corpo”.  Crucial para esta tarefa foi a descoberta por Orkin e colegas que um pequeno pedaço do gene BCL11A, chamado de estimulador, controla a expressão de hemoglobina fetal.
“Podemos agora usar tecnologias de edição de genes para cortar esse pequeno potencializador, de modo que o gene BCL11A pare de encerrar a produção de hemoglobina fetal, e assim permitir que as crianças com doença falciforme possam começar a fazer isso em seu sangue”, acrescentou Orkin. “Essencialmente, nós pegaremos medula óssea – onde as células do sangue são feitas – de um paciente, e vamos editar o gene, para que essas células produzam níveis mais altos de hemoglobina fetal, e então devolvemos a esse paciente.”
Orkin disse que a ciência já está bem desenvolvida para isso. “Esperamos começar os testes clínicos no futuro próximo.” Ele acrescentou que vários outros centros nos EUA estavam se preparando para começar os testes de terapia genética para falciforme usando abordagens semelhantes.
David Williams, do Boston Children’s Cancer and Blood Disorders Center, está usando uma técnica ligeiramente diferente para aumentar a hemoglobina fetal, mas também espera começar os testes no próximo ano. “Quando você põe em nocaute o gene BCL11A, simultaneamente você aumenta a hemoglobina fetal e reprime a hemoglobina falciforme, razão pela qual pensamos que esta é a melhor abordagem”, disse Williams.
Tratamentos como estes parece que só ajudarão os pacientes do ocidente, reconhece Orkin. “O que precisamos é de uma pílula para aumentar a hemoglobina fetal nos pacientes afetados pela anemia falciforme, algo que seja fácil para administrar clinicamente”, disse. “Esse é o nosso objetivo final, e as lições que aprendemos com o nosso trabalho de terapia genética nos ajudará a chegar lá. Quando fizermos isso, aí então poderemos dizer que eliminamos a anemia falciforme”.
Fonte: The Guardian