Uma equipe de pesquisadores da UC San Francisco identificou a rara mutação genética responsável por um único caso de SCID – Imunodeficiência Severa Combinada, uma desordem sistêmica mortal do sistema imune, também conhecida como doença do “garoto na bolha”. Além de definir a última de mais de doze causas genéticas conhecidas de SCID, o estudo – publicado online no New England Journal of Medicine, em 30 de Novembro de 2016 – revelou um papel inesperado do gene mutado nos processos normais do desenvolvimento do sistema imunológico.
“Estamos entrando em uma nova era da medicina genômica”, disse Jennifer Puck, MD, professora de imunologia e pediatria, uma pediatra imunologista do departamento de saúde da UCSF e autora sênior do novo estudo. “Nossa tecnologia progrediu a um ponto em que podemos aprender muito sobre a doença, e mesmo aprender novos fatos importantes sobre biologia normal, a partir de um único paciente. Neste caso, fomos capazes de descobrir a causa genética subjacente potencialmente única da doença de um paciente e sair com uma nova compreensão de como o sistema imunológico se desenvolve”.
O paciente apresentado no novo estudo foi identificado através de uma abordagem populacional de rastreio neonatal da doença SCID que Puck desenvolveu em 2005, e que agora é amplamente realizado. (Desde que foi introduzido na Califórnia em 2010, o método da seleção de Puck aumentou a taxa de sobrevivência de crianças nascidas com SCID a 94%, e em 2017 será usado em 47 estados dos Estados Unidos).
A seleção assinalou um sistema imune severamente comprometido, deixando o paciente exposto a uma série fatal de infecções. No entanto, os médicos da UCSF realizaram um transplante de medula óssea, o tratamento padrão para SCID, que deu à criança um sistema imunitário totalmente funcional.
Além da SCID, a criança também nasceu com uma série de outras anormalidades, incluindo deformidades craniofaciais, pele flácida, excesso de pelos no corpo, e anormalidades neurológicas, que sugeriam que um único raro defeito genético poderia estar por detrás da doença. Em parte para determinar se os pais da criança carregava uma mutação que poderia ter sido passada para o bebê, o grupo de Puck resolveu escanear o genoma da criança e dos pais para encontrar mutações genéticas que pudessem ser responsáveis pela doença.
Eles trabalharam com o biólogo computacional Steven Brenner, Phd da UC Berkeley e com pesquisadores do Tata Consultancy Services. A equipe usou o sequenciamento de próxima geração – NGS – do exoma para identificar uma única mutação presente na criança, mas não nos pais – referida como ‘mutação nova’ – no gene BCL11B, que previamente havia sido associado apenas ao câncer linfático.
“O que é notável é que descobrimos que, não só este foi um gene que nunca tinha sido associado com SCID antes, o que exigiu técnicas mais avançadas da genômica para descobrir”, disse Brenner, “mas também que, diferentemente de todos os outros conhecidos genes da SCID, você só precisa de uma cópia desta mutação para perturbar múltiplos aspectos do desenvolvimento “.
Para compreender os efeitos biológicos desta mutação nos pacientes, os pesquisadores tiveram a colaboração da equipe de David Wiest, PhD, do Fox Chase Câncer Center da Filadélfia, para introduzir o gene modificado BCL11B do paciente em um ‘peixe zebra’, cujo sistema imune é similar ao de humanos. Eles descobriram que a forma modificada do BCL11B produziu anormalidades no peixe zebra que mimetizaram aquelas observadas no paciente, incluindo não só a deficiência no sistema imune, mas também as anormalidades craniofaciais. Bloqueando o gene modificado e substituindo-o por um gene humano normal no peixe zebra embrionário, houve reversão de todos esses sintomas, sugerindo fortemente que o gene BCL11B anormal era a causa dos sintomas observados tanto no peixe zebra quanto no paciente humano.
A proteína BCL11B normal liga-se ao DNA em locais ao longo do genoma para ativar uma grande variedade de genes de desenvolvimento numa sequência precisamente orquestrada. As experiências revelaram que a mutação do gene BCL11B identificada no novo estudo interrompe a capacidade desta proteína para se ligar ao DNA, resultando assim na vasta gama de perturbações imunológicas, neurológicas e craniofaciais observadas tanto no paciente humano como no peixe-zebra.
“Mutações surgem no caminho, desde a junção de esperma e óvulos, para produzir uma nova pessoa”, disse Puck. “Todo mundo tem novas mutações, mas geralmente são passageiras silenciosas que não fazem nenhum mal. Neste caso, no entanto, uma mutação no gene BCL11B transformou a proteína produzida em uma chave inglesa que perturbou muitos sistemas diferentes no corpo”.
Devido à transparência dos embriões do peixe zebra, os pesquisadores puderam observar que um efeito chave do BCL11B danificado foi o de bloquear a habilidade de células tronco imaturas da medula óssea de migrar para o timo, onde estas células são normalmente “educadas” para se tornarem células maduras T linfócitos, mais conhecidas com Células T, que são essenciais para combater infecções e são quase completamente inexistentes nos pacientes com SCID.
Outras experiências no laboratório, em que os pesquisadores introduziram a mutação BCL11B em células de medula óssea humanas normais e as compararam com células doentes obtidas do paciente, confirmaram que a mutação desta criança prejudicou a capacidade das suas células T de migrarem e amadurecerem.
De acordo com Puck, os resultados ilustram o poder de estudar profundamente doenças raras em pacientes individuais: “Provavelmente nunca mais teremos um outro paciente exatamente como este”, disse ela. “Mas, como resultado do estudo deste caso, fomos capazes de aprender muito sobre um gene crítico em um caminho clínico crítico que não tinha sido apreciado antes.”
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More information: Divya Punwani et al. Multisystem Anomalies in Severe Combined Immunodeficiency with Mutant, New England Journal of Medicine (2016). DOI: 10.1056/NEJMoa1509164
Fonte: Medical Express