Imagine um futuro no qual, ao invés de identificar a doença pelos sintomas, os seus genes, o seu metabolismo e a sua microbiota intestinal informarão como a sua saúde está sendo manejada. Essa é a visão da Medicina de Precisão.
Identificando os fatores que predispõe uma pessoa a desenvolver uma determinada doença e os mecanismos moleculares que causam a condição, as estratégias de tratamento e prevenção podem ser individualizadas.
Então, como vamos passar da medicina tradicional para a medicina de precisão? Avanços na genética e nas técnicas de análises moleculares tem sido um fator decisivo, pois os pacientes estão cada vez mais envolvidos no manejo de sua própria saúde.
Mas fica a pergunta: a medicina de precisão vai revolucionar a forma como tratamos condições médicas ou vai ser um privilégio de uns poucos?
Inovação conduz a medicina de precisão
Para o Instituto Nacional de Saúde (NIH), dos EUA, “Medicina de Precisão é uma abordagem revolucionária para prevenção e tratamento de doenças que leva em conta as diferenças individuais de estilo de vida, meio ambiente e biologia”.
Lançado pelo presidente Barack Obama, em 2015, o programa Precision Medicine Initiative “será pioneiro de um novo modelo de pesquisa que será alimentada pelo paciente, que vai acelerar descobertas biomédicas e dar aos médicos novas ferramentas, conhecimento e terapias para selecionar quais tratamentos serão mais eficientes para cada paciente”.
Avanços em biologia molecular tem sido a chave para fazer a medicina de precisão decolar.
Sequenciadores de nova geração de DNA são uma nova rotina usada para identificar mutações genéticas que levam a específicos canceres, e biomarcadores que predizem o risco de doença ou como uma pessoa responderá a um tratamento particular – estas novas ferramentas clínicas estão se tornando uma realidade na prática médica.
O cancer é uma área onde a medicina de precisão parece estar fazendo um significante progresso. Novas terapias procuram atingir a via celular específica que está sendo explorada por um câncer, com o objetivo de reduzir a vida do tumor.
Esta abordagem já está sendo empregada em ensaios clínicos para tratar pacientes com melanoma que tem uma mutação no gene BRAF, como já reportamos recentemente.
Medicina de Precisão no câncer
Na semana passada, um estudo do Dr. Shumei Kato — professor clínico assistente no ‘Center for Personalized Cancer Therapy and Division of Hematology and Oncology na University of California, San Diego Moores Cancer Center’ — usou esta abordagem em 40 pacientes com tumores raros.
Tumores raros são classificados como aqueles que ocorrem em menos do que 15 pacientes em 100 mil, a cada ano, explica o Dr. Kato em seu artigo. Embora cada tipo de câncer raro só possa ser compartilhado por alguns indivíduos, em geral, 22 a 25% de todos os tumores adultos são tumores raros.
O autor senior do estudo, Dr. Razelle Kurzrock —professor de medicina —e o Dr. Kato explicam que “pacientes com tumores raros muitas vezes tem acesso inadequado a drogas aprovadas ou a ensaios clínicos. No entanto, com o desenvolvimento tecnológico, agora é possível fazer análises genômicas, bem como análises de proteínas entre os pacientes com tumores raros”.
Com essa abordagem, a equipe procurou identificar as mutações genéticas subjacentes a cada tumor, em vez da classificação clínica. Desta forma, eles poderiam adaptar 37 dos 40 participantes do estudo com uma terapia que foi projetada para um câncer diferente ou estava em um estágio do ensaio clínico.
Desse grupo, 21 pacientes passaram a receber um tratamento adaptado e mais da metade deles tiveram remissão parcial ou completa, ou o câncer permaneceu estável por pelo menos seis meses.
Os doutores Kurzrock e Kato ressaltaram:
“Foi especialmente importante para o instituto esta abordagem para tumores raros, uma vez que existem poucas terapias tradicionais disponíveis para esses pacientes. Estávamos, portanto, preenchendo uma necessidade não atendida de novos tratamentos para esses pacientes, aplicando nossa experiência em genômica, imunoterapia e medicina personalizada “.
O caminho à frente
O Prof. Ze’ev Ronai — conselheiro científico no Sanford Burnham Prebys Medical Discovery Institute (SBP) em La Jolla, CA — recentemente comentou sobre o progresso que a medicina de precisão tem conquistado no campo do câncer em um artigo publicado em Outubro na revista Trends in Molecular Medicine.
“Ainda que no presente apenas uma pequena proporção dos pacientes de câncer sejam beneficiados por terapias personalizadas, grandes esforços estão em andamento para estender o escopo da precisão oncológica para um maior espectro de pacientes”.
Ainda, de acordo com o Prof. Ronai, procurar por mutações genéticas isoladamente não será suficiente se quisermos descobrir o potencial total da medicina de precisão.
Ele disse que “enquanto o perfil genômico fornece informações valiosas sobre uma mutação genética […], existem certas limitações inerentes ao uso de uma abordagem que simplesmente testa a presença ou ausência de eventos de genéticos para informar a tomada de decisão terapêutica “.
Alguns canceres não se incluem nessa categoria, e em certos casos, tumores são dirigidos por outros fatores.
“O tratamento de oncologia de precisão, no futuro, precisará incluir o quadro mais amplo de mudanças genéticas e epigenéticas que ocorrem em um tumor. Estes incluem o microambiente do tumor, que compreende mudanças metabólicas e imunológicas, além da influência exercida pelo microbioma “.
– Prof. Ze’ev Ronai
Uma combinação de análises “ômicas” será a chave, conclui o Prof. Ronai. Este sentimento é compartilhado pelo Prof. Michael P. Snyder, que é diretor do Center for Genomics and Personalized Medicine at Stanford University, na Califórnia.
Combinando ‘ômicos’ na medicina de precisão
O perfil ‘multi-ômico’ é a análise da composição genética de um indivíduo (genoma) em combinação com outros fatores, como a expressão gênica (transciptoma), proteínas (proteoma), metabolismo (metaboloma) e microflora intestinal (microbioma).
Se quisermos entender os múltiplos fatores que podem influenciar a saúde e a doença, a medicina de precisão deve ir além da análise genética.
O Prof. Snyder diz que “medindo fatores além do genoma, e incluindo o meio ambiente ao longo do tempo, teremos um retrato detalhado do estado de saúde de uma pessoa e compreenderemos o que muda quando ele ou ela atingem um estado de doença”.
Numa apresentação realizada na reunião anual da American Society of Human Genetics , o Prof. Snyder destacou como ele tem usado esta abordagem para estudar os efeitos de uma estratégia de intervenção precoce para a prevenção de diabetes.
Durante quatro anos, o estudo acompanhou 98 pessoas com e 7 sem pré-diabetes, coletando dados ‘multi-ômicos’ durante todo o período. De acordo com o Prof. Snyder, os resultados mostraram que “esse quadro realmente muda de pessoa para pessoa; nós todos temos perfis moleculares diferentes”. Dentro do grupo pré-diabético, uma imagem muito clara emergiu entre aqueles sensíveis à insulina e aqueles resistentes à insulina.
“Nós descobrimos que as pessoas resistentes à insulina tem uma menor resposta ao aumento de peso e outras perturbações em relação às pessoas que são sensíveis à insulina. Mesmo na linha de base eles têm diferentes perfis moleculares e microbianos”, disse o Prof. Snyder.
“Eu quero mudar a medicina. A forma como manejamos a saúde agora é bizantina – é tipicamente baseada no tratamento de pacientes quando eles estão doentes. Ao coletar uma riqueza de informações sobre o estado saudável de uma pessoa, podemos identificar formas de mantê-la saudável e prevenir doenças “.
Prof. Michael P. Snyder
O futuro da Medicina
Então, o Prof. Snyder vê a medicina de precisão avançando sobre a medicina convencional em um futuro próximo? Definitivamente, disse ele. “No momento nós medimos poucas coisas e não frequentemente”.
“Mas, no futuro, nós faremos muito mais análises, centenas – se não milhares, toda vez que obtivermos uma amostra de alguém. Muitas dessas medidas serão obtidas continuadamente pelo uso de dispositivos conectados ao corpo”.
Os doutores Kurzrock e Kato concordam. “Nós acreditamos fortemente que a medicina de precisão será rotina em futuro próximo. Já está sendo praticada em certos tipos de câncer”.
Muitos nas comunidades médica e científica claramente veem esta abordagem como uma ‘mudança do jogo’. Mas mudanças nem sempre chegam facilmente e existem barreiras que precisam ser enfrentadas.
Para os doutores Kurzrock e Kato, as barreiras residem na “complexidade da biologia molecular do câncer e na escassez de treinamento dos médicos nesse campo”.
“Dizemos que tumores metastáticos são ‘flocos de neve malignos’, refletindo o fato de que os tumores de cada pessoa são tanto únicos quanto complicados. Isso significa que a abordagem tradicional de ‘um (tratamento) para todos’ não é a melhor de todas. O tratamento deve ser individualizado”.
Para o Prof. Snyder, as questões em jogo são dinheiro e atitude em relação à saúde.
“A grande barreira é: ‘quem paga’? Nosso sistema no momento não está incentivado para manter a saúde das pessoas, mas apenas tratá-las quando ficam doentes”.
Prof. Michael P. Snyder
Avanços na medicina de precisão tem sido intimamente ligados a novas tecnologias e estão claramente mudando a forma com que diagnosticamos e tratamos o câncer, assim como nossa visão sobre prevenção como método de tratamento de condições de longa duração, como a diabetes.
Se a medicina de precisão afetará todas as áreas da saúde e beneficiará os pacientes em todas os aspectos de suas vidas, no entanto, é algo que ainda precisamos ver.
Fonte: Medical News Today