2012 viu o nascimento de alguns testes pré-natais não invasivos, mas esta jovem indústria deve encarar as dores do crescimento com o surgimento de questões legais e éticas.

Em um passado não muito distante, saber se um feto seria portador de Síndrome de Down ou outra severa desordem genética fetorequeria um procedimento com uma longa, pavorosa agulha e o enervante risco de aborto. Mas em 2012 médicos e mulheres grávidas deram as boas vindas a uma nova opção:  um teste genético sem dor, sem sustos, realizado a partir de uma amostra de sangue da mãe.
Avanços no sequenciamento do DNA tem dado aos médicos o poder de explorar a pequena fração de DNA fetal que corre nas veias da mulher grávida. Aproximadamente 3 a 10 por cento de DNA livre contido na corrente sanguínea da futura mãe pertence ao seu bebê, e estas impressões digitais fetais são suficientes para determinar se o bebê tem o número incorreto de certos cromossomos – a causa de algumas doenças hereditárias, inclusive a Síndrome de Down. E, ao invés de um procedimento invasivo na 15ª. à 20ª. semana de gravidez, os médicos podem conduzir essa leitura genética no sangue materno grávido por volta da 9ª. semana, com uma simples amostra de sangue.
Ainda que a tecnologia por detrás dos testes pré-natais não invasivos tenha debutado oficialmente em Outubro de 2011, foi no ano de 2012 que apareceu a primeira geração de opções, com três empresas oferecendo esses testes e mais uma a caminho. A tendência tecnológica encontrou um mercado em expansão de casais grávidos optando por testes pré-natais, bem como de disputas industriais por direitos de patente. Mas talvez o mais importante, a promessa de que testes fetais mais poderosos no futuro próximo possam nutrir novas questões éticas para pais e geneticistas, na medida em que devem lidar com a quantidade de informação genética que procuram e que possam interpretar sobre a criança ainda não nascida.

– O nascimento de uma indústria –

Em 2005, a empresa de biotecnologia Sequenom, baseada em San Diego, Califórnia, licenciou uma tecnologia de detecção de DNA fetal, a partir de um estudo de 1997, publicado na Lancet, sobre partículas de DNA do feto encontradas no sangue materno. Mas a empresa tropeçou numa confusão escandalosa em 2009 sobre a primeira versão de um teste específico de sequenciamento da trisomia fetal 21 – a causa da Síndrome de Down. Altos executivos demitiram-se depois de a empresa ter confessado que ‘inflou’ os resultados de um estudo clínico, chamado SEQureDx, e terem o ex-chefe da pesquisa formalmente acusado por fraude.
No entanto, a empresa reagrupou-se em 2010 e começou a desenvolver um teste de sequenciamento mais acurado, usando MPSS (massively parallel shotgun sequencing). O MPSS fornece uma cobertura de sequenciamento de todos os fragmentos de DNA livre encontrados no sangue materno, o que “nos permite estimar uma quantidade relativa de cada cromossomo”, disse Dirk van den Boom, vice-presidente executivo de pesquisas na Sequenom. “Assim, a teoria é que se a grávida tiver um feto com, por exemplo, trissomia 21, então a quantidade relativa de cromossomos 21 será elevada”.
Depois de uma onda de impressionantes dados obtidos em estudos clínicos, a empresa lançou o MaterniT21, em Outubro de 2011: testes para trissomia 21, trissomia 18 (Síndrome de Edward) e trissomia 13 (Síndrome de Patau), e para determinar o sexo do feto. Os resultados dos testes de Síndrome de Down foram particularmente precisos, demonstrando mais de 99% de acurácia. Porém, naquele momento, Sequenom já não estava mais sozinha no mercado.
Em Março de 2012, em Redwood City, Califórnia, a empresa de biotecnologia Verinata Saúde lançou o Verifi – também um teste baseado no MPSS para trissomias 21, 18 e 13. E em Maio, a Ariosa Diagnósticos de São José, California, introduziu o teste Harmony, que detecta as mesmas três trissomias, usando um método diferente chamado ‘sequenciamento específico de cromossomos’.
Uma quarta empresa, Natera, também locada em Redwood City, lançou, no início de 2013, o seu teste, Panorama, que usa um sequenciamento baseado num único polimorfismo de nucleotídeos (SNP – single nucleotide polymorphism) para detectar as mesmas trissomias, com adição de aneuplodias sexuais, que causam doenças como Síndrome de Turner.
Nos Estados Unidos, investidores tem estimado que o mercado para esses testes pode ser maior do que um bilhão de dólares, e a concorrência está se acirrando. De fato, a Sequenom diz que seus testes continuaram a subir no mercado, no ano passado. “Vimos uma extraordinária taxa de adesão ao nosso produto”, disse Ronald M. Lidnsay, vice-presidente execuivo de planejamento estratégico da Sequenom, que prevê que eles fornecerão mais de 100 mil testes em 2013.
Mas outras empresas estão ansiosas para abocanhar uma fatia do mercado, o que tem levado a estonteantes batalhas judiciais. No ano passado, a Sequenom, que detém a patente para o teste genético de DNA fetal, enviou notificações de advertência sobre violação de patente para: a Aria Diagnostics, e agora estão em processo judicial; a empresa Verinata Saúde, que está processando a Sequenon; e a Natera, que também notificou a Sequenom, alegando que seu produto não infringe sua patente. Embora não haja, ainda, uma resolução legal, o departamento de Marcas e Patentes dos EUA emitiu, no dia 6 de Dezembro de 2012, uma nova patente para a Sequenom sobre detecção de aneuplodias usando MPSS.
Enquanto isso, todas as quatro empresas continuam a aperfeiçoar suas tecnologias e colocam seus testes no mercado. Verinata anunciou em Dezembro que está expandindo seu test para incluir aneuplodias relacionadas ao sexo do feto. E a Natera anuncia que seu teste pode ser realizado com nove semanas de gravidez, ao invés das dez semanas dos testes concorrentes, incluindo as aneuploidias sexuais. “Estamos confiantes que nada estará no meio do nosso caminho”, afirmou Gautam Kollu, vice presidente de marketing da Natera.

– Pioneiros precoces –

Erin Osborne Nishimura, doutora em Genética, é uma das diversas pacientes que experimentaram os novos testes. “Nós decidimos fazer o teste (sequenciamento genético) quando conversamos com o Conselheiro Genético”, disse Osborne Nishimura, que trabalha no laboratório Jason Lieb da Universidade da Carolina do Norte em Chapel Hill (UNC).
Aos 36 anos, Osborne Nishimura é considerada como “idade avançada para a maternidade”, assim ela e seu marido (biólogo na UNC) começaram a pesquisar as opções de testes pré-natais. A formação clássica de opções inclui testes invasivos, como a aminiocentese e CVS (amostra de vilo coriônico) – que consistem em tomar amostras de tecidos fetais para ter uma visão direta do DNA do bebê, mas acarretam o risco de provocar defeitos de nascença e abortos. Existem também os testes baseados em hormônios, que são seguros porém menos precisos. O casal também considerou que um teste pode levar a outros testes: qualquer resultado positivo obtido de forma indireta com uma amostra de sangue deveria ser seguido de um teste invasivo, elevando o consumo de tempo, número de procedimentos e faturas médicas.
Há também o custo do diagnóstico único a se considerar. Assim como outros tantos testes, a maioria das empresas de seguro-saúde, que normalmente levam até dois anos para cobrir novas tecnologias, não paga ainda por testes genéticos. Mas em Dezembro o Colégio Americano de Obstetras e Ginecologistas endossou esses testes, pavimentando o caminho para as empresas de seguro apressarem o processo. Enquanto isso, a Sequenom barateou o custo do MaterniT21 – normalmente em torno de U$2.000 – para U$235 só para mulheres que tenham seguro saúde.
No final, Osborne Nishimura e seu marido decidiram se aventurar e comprar um teste genético para o futuro bebê. Eles foram com o MaterniT21 – o único teste genético oferecido pelo seu médico – porque acreditam na tecnologia empregada e ficaram impressionados com os resultados dos estudos clínicos. E então eles mergulharam nas inexoráveis implicações éticas que cercam esse tipo de teste. Ainda que os resultados não tenham levantado uma bandeira vermelha sobre a saúde do bebê – graças! – o casal se viu forçado a considerar como eles lidariam com resultados indesejáveis, incluindo se continuar ou não a gravidez caso o teste tivesse um resultado indesejado, ou planejar a vida cuidando de uma criança com problemas severos de saúde física ou mental.
O primeiro dilema a fazer pressão envolve a habilidade de detectar anormalidades sexuais cromossômicas, testes que já são oferecidos pelas empresas Verinata e Natera. “Estes testes afetarão tremendamente a complexidade do aconsellhamento genético”, afirmou Emily Hardisty, conselheira genética credenciada e coordenadora do departamento de aconselhamento genético no Hospital Universitário da Carolina do Norte, EUA, que agora disponibiliza testes genéticos (Sequenom e Verinata) e aconselhamento para 2 a 3 mil grávidas a cada ano. “Existem diversos materiais educacionais sobre Síndrome de Down e Trissomias 13 e 18, mas não existe, ainda, informação suficiente sobre as anormalidades cromossômicas sexuais”, diz Hardisty. “E o que existe não é muito compreensível”. Assim, se um bebê tem um diagnóstico de uma desordem cromossômica sexual – algumas das quais sem tratamento – não há certeza de que como será a vida dessa criança daqui a 30 anos, ou mesmo logo após o nascimento, ela explica.
Além disso, algumas empresas oferecem testes que detectam anormalidades cromossômicas pelo sequenciamento de todo o genoma fetal. “A partir deste momento, é tanta informação para ser filtrada”, afirmou Hardisty. “E algumas das informações genéticas podem ter implicações clínicas e algumas não”. De fato, enquanto as empresas que oferecem os testes insistem que só fornecerão informações sobre condições médicas relevantes, todos dados genômicos poderiam, potecialmente, revelar informações adicionais – na medida em que cresce o conhecimento genético sobre doenças raras e traços estéticos.
E além dos resultados apresentados na tela, os dados abrem novas questões. A regulamentação sobre a privacidade genética, que um dia podem nortear esse tipo de testes, ainda está na tenra infância. Mães como Osborne Nishimura terão que se engalfinhar com a questão de como dizer ao seu filho que o seu genoma foi sequenciado.
Mas para Osborne Nishimura as incógnitas éticas não valeram a preocupação sobre os “SEs” de desordens genéticas para o resto da gravidez. “Porque, Deus sabe, eu posso inventar outro monte de coisas para me preocupar”.
 

By Beth Marie Mole – The Scientist Magazine

Fonte: http://www.the-scientist.com/?articles.view/articleNo/33735/title/Year-of-the-Fetus/
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