Quase 17 mil brasileiros não sabem que têm a doença de Marcelo Pesseghini
A alteração genética que faz com que toda a secreção do organismo do paciente seja mais grossa, o que desencadeia sérias alterações no sistema respiratório, digestivo e reprodutor
Quase uma desconhecida do grande público até pouco tempo, a fibrose cística chegou à mídia após o garoto Marcelo Pesseghini, 13 anos, se tornar o principal suspeito de matar os pais, a avó e uma tia-avó antes de cometer suicídio no último dia 5 de agosto, em São Paulo. O menino tinha a doença e se tratava há anos. No início, houve muita especulação ligando seu problema de saúde a um possível comprometimento psicológico (veja box).
Nesta quinta-feira (5) é comemorado o Dia Nacional de Conscientização e Divulgação da Fibrose Cística e, domingo (8) será celebrado pela primeira vez o Dia Mundial da Fibrose Cística.
Fibrose cística é uma doença genética recessiva, o que significa que o paciente precisa receber um gene “defeituoso” do pai e da mãe. Cada filho de um casal portador do CFTR (regulador de condutância transmembranar de fibrose cística) terá 25% de chance de ter o mal. Acomete principalmente caucasianos, sendo mais rara nos negros e pouquíssima incidência entre orientais.
DOENÇA E MEDICAMENTOS NÃO INFLUENCIAM O LADO PSICOLÓGICO, DIZEM ESPECIALISTAS
A psicóloga Verônica Stasiak é fundadora e diretora-geral do Instituto Unidos Pela Vida, de Curitiba, que divulga a fibrose cística. Ela criou a ONG após receber tardiamente seu diagnóstico, aos 23 anos, já em estágio avançado.Ela conta que cada paciente reage de uma forma quando descobre o problema: “O tratamento é intenso e, às vezes, o paciente precisa ficar internado. Cada caso é um caso, é preciso ver como a pessoa e a família lidam com o problema. Eu desconheço que a doença influencie nas funções cognitivas”, afirma.
Já Mônica Corso, presidente da Sociedade Paulista de Pneumologia e Tisiologia (SPPT), frisa: “Não há registro até hoje de comprometimento psíquico ou neurológico da doença. Também os medicamentos utilizados habitualmente para o tratamento da fibrose cística não oferecem efeitos-colaterais deste tipo”. De acordo com a médica, o que de fato acontece é que a doença, especialmente nos casos mais graves, naturalmente impõe limitações, e elas são progressivas.”
“Na adolescência, as complicações ficam ainda maiores, podendo culminar em depressão e problemas de aceitação da doença. Mas estes sintomas são comuns a diversas doenças crônicas, e não especificamente relacionadas à fibrose cística.”
Stasiak diz que apesar da doença não ter cura, a expectativa de vida não é igual para todos: “São vários fatores influenciando. Tipo de mutação genética, se a pessoa recebe tratamento correto e, claro, como enfrenta a doença”.
Este gene intervém na produção de suor, dos sucos digestivos e dos mucos. Isso compromete o funcionamento das glândulas exócrinas que produzem substâncias (muco, suor ou enzimas pancreáticas) mais espessas e de difícil eliminação.
A fibrose cística também é conhecida como mucoviscidose ou doença do beijo salgado, pois a pessoa tem uma perda excessiva de sal pelo suor e fica com a pele mais salgada, a ponto de quem cumprimentá-la com um beijo sentir o gosto. Apesar de incurável e não contagiosa, se for diagnosticada precocemente e tratada de maneira adequada, o paciente poderá ter mais qualidade de vida.
O teste do pezinho
Segundo o Ministério da Saúde, o mal acomete um a cada 10 mil nascidos vivos no país. Porém, o número de pacientes em tratamento cadastrados atualmente no Brasil é de apenas 3.500. O que significa que aproximadamente 17 mil pessoas não sabem que têm a doença.
A doença, por ser genética, deveria ser diagnosticada ainda na maternidade, já que a forma mais comum de identificá-la é por meio do teste do pezinho. O diagnóstico pode ser confirmado pelo teste do suor ou ainda por exames genéticos. Porém, por desconhecimento de alguns médicos, alguns só descobrem a doença tardiamente, na adolescência ou na fase adulta.
Um recém-nascido que seja diagnosticado precocemente, por exemplo, terá consequências clínicas da doença reduzidas ou mesmo evitadas, em comparação às crianças e adultos que sofrem do mal há anos e não recebem tratamento adequado.
“Atualmente, cerca de metade dos pacientes sobrevivem até os 26 anos de idade, mas o curso clínico é variável. Pacientes com quadro pulmonar grave apresentam uma boa sobrevida após transplante dos pulmões. Ultimamente, a expectativa de vida tem aumentado, mas é difícil a sobrevivência após os 30 anos”, diz o médico geneticista Dr. Ciro Martinhago, diretor do laboratório Clínica Ciro Martinhago Medicina Genética.
Jovem conta como demora para identificar doença a estimulou a criar ONG
Mônica Corso, presidente da Sociedade Paulista de Pneumologia e Tisiologia, conta que até pouco tempo atrás, a fibrose cística era uma doença que atingia exclusivamente pacientes pediátricos. Ela conta que na década de 50, a sobrevida não passava do primeiro ano, segundo dados da organização norte-americana Cystic Fibrosis Foundation (CFF).
“Já em 1980 houve um grande avanço, elevando a idade para 18 anos. De lá para cá, os avanços são cada vez maiores. As últimas estatísticas, de 2008, já passavam dos 37 anos de idade, e hoje já se fala em algo em torno dos 40 anos”, afirma a médica.
Sintomas
Os principais sintomas se parecem muito com os da asma e da tosse frequente. Porém, nos casos confirmados da doença, um muco espesso bloqueia os canais dos brônquios e cria dificuldades para respirar, causando tosse crônica, infecções com muita frequência, pneumonias, sinusite crônica, tosse. Em casos mais graves, causa alargamento ou distorção irreversível dos brônquios, sendo que o tratamento é quase sempre cirúrgico.
No sistema digestivo, pode haver insuficiência na produção de enzimas no pâncreas. Nesse caso, as vitaminas e gorduras dos alimentos se perdem nas fezes e o paciente não ganha peso e pode ficar desnutrido.
No sistema reprodutivo da mulher, os mucos ficam bastante espessos, o que dificulta a fertilização. Na maioria dos homens, a doença impossibilita a produção de espermatozoides causando infertilidade.
Tratamento
Martinhago afirma que os pacientes devem receber complementos vitamínicos com o dobro do recomendado normalmente, isto é, vitaminas A, D, E e K são administradas durante o tratamento prolongado da doença hepática com cirrose e hipertensão portal. A morte, infelizmente, resulta de insuficiência pulmonar e infecções.
“O intenso tratamento dos sintomas pulmonares prolonga a vida do paciente, e a digestão e nutrição podem ser amplamente restauradas por suplementos de enzimas pancreáticas. Para melhora do quadro pulmonar, ou uso de terapêutica inalatória de broncodilatadores, mucolíticos e fisioterapia respiratória são amplamente utilizados”, diz o geneticista.
Caminhada e campanha
No domingo (8), o Instituto Unidos pela Vida em parceria com Associações de Assistência à Fibrose Cística e grupos de voluntários caminharão pelo Dia Mundial da Fibrose Cística em grandes cidades do Brasil (Curitiba, Joinville, Porto Alegre, São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, São Luís, Salvador, Brasília, Fortaleza e Aracaju).
A ONG estima atingir mais de 200 mil pessoas por meio de suas ações de divulgação da doença que vão desde a caminhada até campanhas nas redes sociais. Veja aqui os locais da caminhada.
A farmacêutica Roche criou a campanha “O amor em um gesto”, pelo segundo ano consecutivo, que será realizada entre os dias 2 e 8 de setembro. A campanha conta com uma exposição de fotos de celebridades beijando seus filhos no Bourbon Shopping, em São Paulo, e a entrada é grátis.
A intenção é levar uma mensagem importante para a população: por meio de um gesto simples, como um beijo, é possível identificar a possibilidade da doença e transformar a vida de uma criança, permitindo o acesso ao tratamento e a uma melhor qualidade de vida.