Veículo: Jornal Folha de Alphaville | |
Data: 21 de agosto de 2014 | Estado: SP |
Assunto: Caso das Marias – cura de talassemia por intervenção genética | |
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Maria Vitória foi curada de talassemia major por transplante de medula de embrião geneticamente selecionado, em raro procedimento
Ana Carolina Pereira
Exemplo de superação, força e fé o que define a história da família da biomédica Jênyce Reginato da Cunha e do advogado Eduardo Matias da Cunha, moradores de Alphaville, que presenciaram o milagre da medicina que usou o gene da filha mais nova do casal, Maria Clara, um embrião geneticamente selecionado, para curar a filha mais velha, Maria Vitória, hoje com sete anos, muita saúde e vida pela frente.
Aos 20 anos, Jênyce descobriu que tinha uma anemia chamada talassemia – uma desordem hereditária e não-contagiosa, que comumente produz anemia – do tipo minor (apenas traços, que não apresenta sintomas e não precisa de tratamento).
O diagnóstico não mudou o cotidiano de sua vida, mas foi alertada pelos médicos que se viesse a ter filhos com parceiro também portador da anemia existiram chances de a criança ser portadora de talassemia major, o tipo mais grave da anemia cujo tratamento consiste em ser submetido a transfusões de sangue a cada 30, 20, 15 ou 10 dias durante toda a vida. “Eu não me preocupei muito, porque era jovem e aquilo não me afetava, mas me preocupei um pouco com o fato de poder ter um filho com talassemia major”. conta Jênyce.
Dezoito anos depois, já casada e com vontade de ter o primeiro bebê, a preocupação voltou. “É inacreditável, mas descobrimos que Eduardo também tinha traços de talassemia minor. Pensamos em inseminação, mas na época era complicado e acabei engravidando pelo meio convencional.”
Em 2008, Maria Vitória chegou saudável ao mundo, mas a partir dos dois meses de idade começou a apresentar quadros febris e aos cinco meses teve a primeira crise de febre que a levou ao plantão hospitalar. “A Maria Vitória foi internada por estar com a taxa de hemoglobina muito baixa e naquele momento já entendemos, sem nem a confirmação dos médicos, o que minha filha tinha.”
Diagnosticada com talassemia major, ali começaram as sessões de transfusão de sangue. A doença, apesar de grave, se tratada corretamente, oferece perfeita qualidade de vida aos pacientes. Mas Jênyce não se contentava com essa possibilidade e desde o dia da primeira transfusão de Maria Vitória teve uma única certeza: de que a filha seria curada.
A família descobriu que a única cura para a doença seria o transplante de medula, feito apenas nos EUA, mas a opção era inviável e muito arriscada.
Jênyce buscou então suporte na Associação Brasileira de Talassemia (Abrasta) e por meio de uma médica da associação ficou sabendo de geneticista, o dr. Ciro Martinhago, que havia concluído uma tese exatamente sobre a separação de embriões. “Fizemos uma consulta com o dr. Ciro e ele nos disse ‘tenho a receita do bolo, só nunca me pediram para fazer. Preciso apenas que confiem em mim’. E confiamos.”
Foram três anos de tratamento hormonal e uma tentativa de inseminação frustrada até Jênyce chegar aos cuidados do dr. Edson Borges, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Reprodução Assistida.
A parceria do geneticista com o especialista em medicina reprodutiva foi um sucesso. Aos 34 anos, Jênyce estava grávida de Maria Clara, um embrião geneticamente selecionado, não portador de talassemia e de 100% de compatibilidade com a irmã, Maria Vitória.
Aos sete meses de gravidez, a mãe teve acesso ao coordenador da Unidade de Transplante de Medula Óssea do Hospital Sírio-Libanês, o dr. Vanderson Rocha, que resolveu acolher o caso, o quarto no mundo deste tipo.
A ideia inicial era fazer um transplante usando material genético colhido no cordão umbilical. Mas por conta do pelo de Maria Vitória na época, o médico achou melhor esperar a caçula crescer para fazer a doação de medula.
Quando completou um ano de idade, Maria Clara estava pronta. O transplante de medula e cordão umbilical (coletado no nascimento de Maria Clara) feito em Maria Vitória foi um sucesso – este foi o primeiro procedimento deste tipo feito na América Latina.
Trinta e dois dias após o transplante, Maria Vitória teve alta e cinco dias depois uma tosse seca a levou ao hospital. Foi apenas o começo de um ano de internações contínuas por infecções que podem acontecer no período pós-cirúrgico.
Jênyce, porém, nunca duvidou do final feliz. E ela estava certa. A última internação foi em janeiro deste ano e hoje, com sete anos, Maria Vitória está curada, frequenta a escola Morumbi, é fã do Luan Santana e melhor amiga de sua irmã, hoje com dois anos e meio.
A única lembrança da doença é a torcida por dr. Ciro, que está concorrendo ao Prêmio Abril de Saúde por conta do procedimento e, se fosse preciso, a família enfrentaria tudo de novo. “No fim, ter as minhas filhas foi o melhor que poderia acontecer na minha vida.”