MOSAICISMO EMBRIONÁRIO
Com o aumento do uso de técnicas de screening genético pré-implantacional (PGS) voltados para a reprodução humana assistida, iniciou-se uma discussão sobre o mosaicismo embrionário e quais atitudes tomar diante desses embriões.
Mosaicismo embrionário é definido pela presença de diferentes linhagens celulares num mesmo embrião, podendo variar entre euploide e aneuploide. Em um embrião em estágio de clivagem (D3) a taxa de mosaicismo pode chegar a 90%[1]. Já em blastocisto, mesmo com novos artigos publicados mensalmente relacionados ao assunto, este número ainda não é bem estabelecido, podendo variar de 4,8% a 50%. Os quatro tipos possíveis de mosaicismo embrionário em blastocisto são demonstrados abaixo (Figura 1):
Figura 1: Embriões com mosaicismo. Jianqiao Liu et al, 2012[2].
(A) Embriões que possuem uma massa celular interna (MCI) aneuploide e células trofectoderma (TE) euploides e aneuploides;
(B) Embriões que possuem uma MCI aneuploide e células TE euploides,
(C) Embriões com uma MCI euploide e células TE aneuploides e
(D) Embriões com a MCI euploide e as células do TE euploides e aneuploides.
Estudos recentes têm descrito casos raros de transferência de embriões mosaicos gerando uma gestação e a uma criança normal. Um estudo publicado na New England Journal of Medicine, revista com o mais alto fator de impacto na área médica, demonstrou que dentre 3802 embriões em estágio de blastocisto, a taxa de mosaicismo foi de 4,8% (181 embriões)[3]. Neste mesmo estudo, foram transferidos 18 embriões com uma taxa de 35 a 50% de mosaicismo; a partir dessas transferências, foram geradas somente 6 gravidezes normais, 2 gravidezes bioquímicas e 10 mulheres não engravidaram, indicando uma taxa de 66,66% de insucesso.
A influência do mosaicismo no desenvolvimento do feto pode depender do número de anormalidades, tecidos envolvidos e do cromossomo alterado. Devemos levar em consideração o baixo número de células presentes no embrião durante o desenvolvimento pré-implantacional: caso essas células alteradas se desenvolvam, esses erros podem ter consequências graves, uma vez que essas células darão origem a todos os tecidos embrionários ou extraembrionários do feto, e qualquer anormalidade mantida pode ter impacto de risco ao longo do desenvolvimento, tanto para a paciente quanto para o seu bebê.
Preocupada com o assunto recorrente e suas consequências, a Sociedade Internacional de PGD (PGDIS) emitiu o seguinte parecer quanto ao tema:
I) Priorizar sempre a transferência de blastocistos com resultado normal (euploide) sobre aqueles com resultados com mosaico.
II) Para detecção confiável do mosaicismo, no mínimo 5 células devem ser biopsiadas, com o menor dano celular possível. No momento da biópsia embrionária, devem ser identificados os pontos de contatos das células, e os danos devem ser mínimos e preferencialmente em junções celulares. O uso excessivo e agressivo do laser pode resultar em danos celulares e destruição parcial do DNA celular.
III) Deve ser usada uma plataforma de sequenciamento genético de nova geração (NGS) validada, que possa quantificar o número de cópias para a medição do mosaicismo na amostra de biópsia.
IV) Considerar os embriões com mosaicismo abaixo de 20% como normais e acima de 80% como aneuploides.
V) Aneuploidias com taxa de mosaicismo entre 20% e 80% devem ser consideradas mosaico. Considerar embriões monossômicos a trissômicos (exceto monossomia do cromossomo X), pois não serão viáveis em caso de anormalidades no desenvolvimento.
VI) Caso seja considerada a transferência de um embrião mosaico com trissomia, priorizar a seleção com base no nível de mosaico e no cromossomo envolvido, sendo indicado os cromossomos 1, 3, 4, 5, 6, 8, 9, 10, 11, 12, 17, 19, 20, 22, X, Y, que em caso de alteração não são viáveis. Trissomias nos outros cromossomos podem estar associadas a dissomia uniparental (14, 15), atraso do crescimento intrauterino (2, 7, 16) e capacidade de nascidos vivos (13, 18, 21). *Informe completo PGDIS
Por outro lado, a consideração de transferência de embriões com mosaicismo pode apenas proporcionar melhorias marginais na aplicação clínica, devido à baixa incidência esperada deste fenômeno biológico em blastocistos e gestações, além do fato de que sempre haverá uma amostragem insuficiente ao estimar a presença de mosaicismo de uma única biópsia, pois para ter um alto grau de confiança no resultado de mosaicismo deveria ser realizado todo o embrião, com todas suas células.
Nós do Laboratório Clínica Ciro Martinhago Medicina Genômica, em conjunto com o seu diretor clínico médico geneticista Dr. Ciro Martinhago, aconselhamos a não transferência de embriões com mosaicismo. Mensalmente recebemos novas visitas de mães de crianças com deficiência mental e física por consequência de mosaico em gestações naturais, e compreendemos suas dificuldades vividas no dia a dia.
Entretanto, não vetamos a possibilidade de transferência desses embriões, dessa forma o seu laudo de PGD pode ser customizado com respeito à presença de mosaicismo, bastando solicitar o nível de detalhamento do resultado. Recomendamos a interpretação e análise do laudo em parceria entre o médico geneticista e o médico responsável pela fertilização in vitro, juntamente ao casal.
Me. Augusto Azzolini
Equipe Clínica Ciro Martinhago Medicina Genômica